Se eu fosse só minha,
ninguém me tocava com mãos que só pedem.
Ninguém entrava nos meus dias como quem invade terra fértil,
e depois parte sem regar.

Se eu fosse só minha,
não deixaria meu riso pendurado no varal alheio,
nem minhas noites acordadas em silêncio
pra consolar gente que nunca fica pro café.

Se eu fosse só minha,
o cansaço teria colo,
a raiva teria nome,
e o amor... ah, o amor teria critério.

Mas fui sendo deles, delas, de todo mundo,
porque aprendi que afeto é dar sem medida,
mesmo que me custe a alma em parcelas.
E agora?
Agora eu sou sobra de mim em prato raso de gente rasa.

Se eu fosse só minha,
talvez eu dissesse "não" sem tremer.
Talvez eu me olhasse inteira no espelho
e dissesse: “Você não nasceu pra ser moeda de troca,
você nasceu pra ser universo.”

E se for tarde pra voltar?
Se o mundo já me mastigou demais?

Então que eu renasça cuspida, mas livre.
Que eu recolha meus pedaços
e reconstrua um santuário com eles.
Sem pedestal, sem correntes, sem plateia.

Se eu fosse só minha…
não pediria mais desculpas por existir.