![]() |
![]() |
![]() Quando Eu Nasci, Minha Avó Virou AncestralNo dia em que abri os olhos pro mundo, ela fechou os dela — não como quem parte, mas como quem passa a tocha.
Minha avó era mulher de pele marcada e olhar firme. Filha de uma escrava liberta pela Lei do Ventre Livre, mas nunca verdadeiramente livre. Porque a liberdade na lei não limpa o chicote na memória, nem apaga o silêncio imposto nas cozinhas, nas senzalas, nas salas de patroa.
Ela carregava a Bahia no passo, o ferro da luta nas mãos, e o axé no coração cansado.
E justo quando eu nasci — ela partiu. Fez da minha chegada um ritual de revezamento. Saiu da vida e entrou em mim.
Carrego no sangue a força que ela não gritou, as dores que ela calou, os sonhos que ela não teve tempo de sonhar. Minha primeira respiração foi o último sopro dela, e talvez seja por isso que respiro por duas.
Ela virou raiz, eu brotei galho. Ela se fez chão, eu virei caminho.
Não chorei sua morte, porque ela virou minha origem. E desde então, cada palavra que escrevo, cada causa que abraço, cada afeto que semeio— é ela, reencarnada no meu verbo. Edna Maria
Enviado por Edna Maria em 18/05/2025
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
|
![]() |
Site do Escritor criado por
Recanto das Letras
|
![]() |