Edna Maria

 

"À Flor da Pele."



Textos

Minha teia ou: o dia em que uma aranha me lembrou de onde eu vim


Hoje cedo, antes do barulho do mundo começar, eu vi uma aranha no canto da varanda.
Lenta, paciente, ela tecia. Fio por fio.
Sem pressa. Sem medo.
Só fazia.
E eu ali, hipnotizada, vendo a delicadeza do gesto e sentindo uma pergunta costurar meu peito:
o que me tece?

Enquanto ela construía sua casa no ar, comecei a lembrar das mulheres que me trouxeram até aqui.
Minha mãe, com suas mãos calejadas e seus silêncios costurados entre uma panela e outra.
Minha avó, que alinhavava os dias com fé e lençóis lavados.
Minha bisavó, que eu não conheci, mas sinto no corpo cada vez que meu coração aperta sem saber por quê.

Elas também eram aranhas.
Cada uma tecendo sua própria teia pra sobreviver num mundo que vive tentando esmagar o que é feminino, delicado, potente.

Me dei conta:
minha história é um tecido cheio de fios antigos.
Uns arrebentaram. Outros eu amarrei de novo, com nó cego.
Tem cicatriz que é ponto de bordado.
Tem ausência que virou renda.

E ali, naquela manhã qualquer, com a aranha me dando aula de resistência, entendi:
eu também sou tecelã.
Sou filha das linhas que não se rompem, mesmo quando tudo parece desfiar.
Sou feita de silêncios, mas também de palavras que gritam.
E agora, que a vida me deu agulha e linha, não vou mais vestir história dos outros.
Vou costurar a minha.
Com os fios da minha voz, da minha dor, da minha alegria.

E que seja bela, firme e cheia de poesia
como a teia daquela aranha que me acordou.
Edna Maria
Enviado por Edna Maria em 23/05/2025
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