Círculo de Asas
Um dia, vi uma lagarta atravessando o muro do quintal, bem devagarzinho, arrastando sonhos sem saber. Ninguém dava nada por ela. Feia, peluda, lerdinha... dessas que a gente desvia com o dedo ou com nojo. Mas ali dentro já morava uma borboleta inteira só que o mundo ainda não sabia.
A lagarta come folha, come tempo, come silêncios. A vida parece uma repetição sem fim: nascer, rastejar, buscar abrigo. Até que, sem aviso, ela se fecha num casulo. Vira um mistério embrulhado, um silêncio suspenso entre o que era e o que será.
E aí vem a mágica: o renascimento. A borboleta sai do casulo como quem explode em cor. Ninguém mais lembra da lagarta só veem asas, leveza, voo. Dura pouco, é verdade. Borboleta vive o tempo exato pra dançar no vento, beijar flor, colorir o mundo. Vive pra deixar beleza por onde passa. Depois... vai embora como veio: com graça.
E a gente?
Ah, a gente também é meio lagarta. Passa boa parte da vida se arrastando por entre boletos, medos, paredes, exigências. Engole o mundo pra crescer. Depois, vem o casulo: aquele momento que a gente se recolhe, se fecha em dor, em dúvida, em recomeço. Pode ser um luto, uma demissão, uma solidão doída. Mas é lá dentro que a gente muda de pele.
Quando a gente volta, ninguém enxerga o esforço do casulo. Só veem a “borboleta” que deu certo: o sucesso, a força, o brilho. E esquecem que foi preciso se desfazer por dentro pra renascer. Esquecem que antes do voo vem o escuro.
A diferença é que a borboleta aceita seu ciclo com sabedoria: vive o que tem que viver. Já nós, humanos, muitas vezes esquecemos de voar. Ficam as asas atrofiadas de medo, os sonhos parados no casulo da rotina.
Mas ó... ainda dá tempo. Sempre dá tempo de virar borboleta.
Só precisa coragem pra se recolher quando for preciso e força pra se abrir de novo pro mundo, mesmo depois das dores.
Porque no fundo, meu amor, viver é isso: nascer, se arrastar, se transformar, voar… e deixar beleza por onde a gente passa.